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A Martin Luther mask: What a wonderful idea for Brazilian gospel
Halloween!
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Já estamos a beira de mais um 31 de Outubro. Que tem isso demais? Para
muitas pessoas o 31 de Outrubro é apenas um dia para brincar de bruxo, vampiro
e outros seres mitológicos. Até mesmo muitos cristãos já se entregaram as
seduções do Halloween. Temos, os cristãos, algo de muito mais valor para
comemorar nesta data? Sim! E não tem nada haver com trevas, mas com luz, a Luz
do Evangelho.
Evidentemente estou falando do Dia da Reforma Protestante.
Resumidamente, a Reforma Protestante desencadeou-se com Martinho Lutero, um
monge agostiniano. Difícilmente poderíamos apontá-lo como sendo o primeiro
reformador da História, nem o mais capacitado, mas foi seu nome que Deus
escolheu para gravar na História. Afim de compreendermos melhor o contexto é
bom citar outro nome, o de João Tetzel, também monge. Este dedicava-se a pregar
e vender indulgências, como se estas pudessem, por um bocado de dinheiro,
garantir o perdão de Deus. Lutero, que aquela altura já começava a descobrir
algo da Simplicidade do Evangelho, levantou-se contra tal comércio; e, ao contrário
do que muita gente pensa, fez questão de inocentar o Papa de tais crimes. No
entanto, mesmo que suas famosas 95 Teses não tivessem a intenção de combater ou
renunciar a Igreja de Roma, o Vaticano percebeu nelas princípios teológicos que
ameaçavam revolucionar as estruturas da religião ocidental, e o embate com
Lutero tornaria-se um verdadeira guerra teológica e política.
Boa parte da Igreja moderna desconhece os princípios teológicos que
motivaram e alicerçaram os heróis da Reforma. De fato, apesar de cada cristão
evangélico de nosso tempo bater no peito para dizer-se herdeiro de Witemberg,
são poucos os que fazem justiça a herança reformada. Alguém disse que um povo
sem história é um povo sem identidade, e isso é muito exato como descrição da
Igreja Evangélica do nosso tempo. Desconheçemos nossa história, desconhecemos
nossa própria identidade. Estou exagerando?
A principal característica da espiritualidade reformada estava em
focar-se na Total Soberania de Deus. O Deus crido pelos Reformados era radicalmente
diferente do Deus "evangélico neopentecostal". Atualmente, Deus foi
transformado num ajudante, um quebra-galho, sempre a disposição das orações e
mandigas evangélicas. O Deus dos Reformados não podia ser manipulado, em
hipostese alguma, em assunto algum - nem mesmo quando o tema era a salvação dos
pecadores. Deus é Deus, e o homem é apenas isso: mero homem; e se recebemos ou
não algo de Deus, é por sua Livre Vontade, e não porque fomos eficientes em
manipulá-lo a nosso favor. "Porque quem compreendeu a mente do
Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que
lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas;
glória, pois, a ele eternamente. Amém!" (Romanos 11. 34-36).
A Soberania de Deus era tema tão valioso para a Reforma, que muitos dos
inimigos da fé evangélica tentavam se valer disso contra ela. Consta que famoso
apologista católico, Erasmo, provocou Lutero dizendo: "Deixe Deus
ser bom!". A tal provocação Lutero respondeu simplesmente: "Deixem
Deus ser Deus!". Não que os Reformadores negassem que Deus é bom;
negavam que o homem tivesse capacidade para julgar a bondade de Deus. Afirmavam
que Deus é bom sendo sua vontade para nós qual for. Quem é o homem para julgar
o Criador? Lutero, e os Reformadores, recusavam-se a aceitar que "A
Majestade, que é o criador de todas as coisas, tivesse de curvar-se diante de
uma das escórias de sua criação!".
Se os heróis da Reforma vivessem hoje não veriam Deus em nossas orações,
mandigas e campanhas no monte, ou nas fogueiras santas de cada sexta-feira.
Eles veriam um ídolo. Um ídolo a ser combatido e extirpado do coração da
cristandade.
Mas isso não é tudo. Além de enfatizar a Soberania absoluta de Deus, a
espiritualidade reformada apegava-se a gratuídade absoluta do favor divino.
Afinal, se a Graça não é por Graça, já não pode ser chamada de Graça. Observem
que a Graça pregada nos dias da Reforma não é a mesma Graça anuciada pela
maioria dos nossos tele-pastores. Você quer ser salvo? Não esqueça das listas
de "faça e não faça" do Missionário David Miranda, ou dos
Assembleianossauros que insistem em não entrar para a lista dos animais
extintos! Você quer ser abençoado? Não se esqueça de fazer um sacrifício, seja
na Igreja do Bispo, da Bispa, ou do Apóstolo. Escolha seu guru e faça seu
sacrifício. Porém, caso o termo "sacrifício" seja muito pesado, e
faça reviver o antigo apologista que existia em sua alma, substitua-a por um
termo mais piedoso... Talvez alguém lhe sugira algo como "semente".
Admitamos: o coração da religiosidade evangélica dos nossos dias é o
mérito, as boas obras. Fomos enganados. Acreditamos que podemos negociar com
Deus, ou que podemos fazer algo para merecer algo do Soberano de toda a terra.
Nos iludimos pensando que se seguirmos certas regras de conduta, ou se
contribuirmos o suficiente com nossos bens, seremos salvos e abençoados. Não é
que buscamos a santificação, mas que a buscamos como um meio de barganhar com
Deus. Não queremos ser santos porque Deus é santo, mas porque temos medo de
alguma consequencia desagradável. Não é que sejamos realmente liberais para a
Obra, mas que ofertamos como se o cristianismo fosse um título de
capitalização, e Jesus o Silvio Santos dos 'crentes'! Alguém soprou em nossos
ouvidos aquele verso diábolico que diz: "Deus ajuda a quem se
ajuda", e nós acreditamos. Precisamos, urgentemente, reacender a chama
do favor gratuíto de Deus, como nos dias da Reforma. "Mas se é
por Graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a Graça já não é
Graça! Se, porém, é pelas obras, já não é mais Graça; de outra maneira
a obra já não é obra" (Romanos 11.6).
Temos ainda um terceiro ponto fundamental. Sola Scriptura não é apenas
um termo em latin que soa robusto e atraente aos ouvidos, mas um lema de fé
divisor de águas. E não é certo que cada evangélico que conhecemos faz questão
de acusar os católicos romanos de seguirem "doutrinas anti-biblicas"?
É certo que pensamos assim. Todavia, temos agido diferente, ou somos culpados
do mesmo erro? Será que já tiramos a trave dos nossos olhos?
Os evangélicos abraçaram uma religião pragmática, que busca resultados,
e apega-se a números. Não se importam com a exatidão doutrinária do pregador
"A" ou "B", mas com os resultados que ele aparentemente
consegue produzir. Esquecem-se de que Deus falou, inclusive, pelas cordas
vocais de um Jumento; ou que os mensageiros do Hades também são capazes de
milagres, ou de disfarçarem-se de mensageiros de luz. Se um pregador produz
sinais, lhes faz chorar, ou se sentir bem, o resto não importa muito, se que é
importa.
Com todo respeito, boa parte dos evangélicos de nossa era é hipócrita,
incluindo igrejas inteiras e seus pastores. Em nossas confissões de fé,
afirmamos ser a Bíblia Sagrada nossa regra de fé máxima e infalível. Mas,
vivemos de acordo com tal princípio? Não é verdade que nossos pastores guiam-se
muito mais por regras de mercado, estratégias de marketing e novas tendências
em entretenimento? Se um pastor deseja um "grande evento", não se
preocupa mais com o conteúdo da mensagem pregada, simplesmente pega o telefone
e liga para o tele-pregador mais em alta no momento - não sem antes descobrir
onde está a chave do cofre, claro. Também não lhe parece muito produtivo
preocupar-se com o conteúdo doutrinário das músicas do grupo de louvor, muito
melhor é deixar a congregação contente e a vontade; até porque a concorrência é
forte e quase sempre desleal.
As vezes tenho a impressão de que os evangélicos acham que termos como
"evangélico", "gospel", "pastor" ou
"levita" são o suficiente para dar legitimidade a alguma coisa. Se
alguém usa algum de tais atributos, tudo se autentica sem maiores
questionamentos. Eles cometem o erro de julgar o livro pela capa, sem avaliar o
conteúdo. No entanto, sejamos evangélicos, pastores ou ministros de louvor, o fato
é que sempre seremos assediamos pelo erro, e sempre estaremos sujeitos a ceder.
Isso torna a Escritura de importância fundamental, a fim de julgar-nos todos os
dias. "Igreja Reformada sempre se reformando", era o lema dos
Reformadores. Para que isso aconteça, devemos avaliar tudo a luz das
Escrituras, incluindo a nós mesmos, nossos projetos e objetivos. Se não
fizermos isto, corremos o rico de estarmos fazendo nossa própria vontade, e
imaginarmos que seguimos a vontade de Deus. Calvino falou de modo muito
apropriado sobre isto:
De fato, se
refletirmos quão acentuada é a tendência da mente humana para esquecer a Deus,
quão grande é a inclinação dos homens para com toda espécie de erro e quão
pronunciado é o gosto deles para forjar, a cada instante, novas fantasiosas
religiões, poderemos perceber como foi necessário a autenticação escrita da
doutrina celeste, para que ela não desaparecesse pelo esquecimento, nem se
desfizesse pelo erro, nem fosse corrompida pela petulância dos homens.
Deste modo, como está
sobejamente demonstrado, Deus providenciou o auxilio de Sua Palavra para todos
aqueles aquém quis instruir de maneira eficaz, pois sabia ser insuficiente a
impressão de Sua Imagem na estrutura do universo. Portanto, se desejamos, com
seriedade, contemplar a Deus de forma genuína, precisamos trilhar a reta vereda
indicada na Sua Palavra.
Importa irmos à
Palavra na qual, de modo vivo e real, Deus Se apresenta a nós em função de Suas
obras, ao mesmo tempo em que essas mesmas obras são apreciadas, não sendo o
nosso julgamento corrompido, mas de acordo com a norma da verdade eterna. Se
nos desviarmos da Palavra, como ainda há pouco frisei, mesmo que nos esforcemos
com grande empenho - pelo fato de a corrida ser fora da pista - jamais
conseguiremos atingir a meta. Devemos pensar que o esplendor da face divina,
que até mesmo o Apóstolo Paulo reconhece ser inacessível (I Tm.6:16), é para
nós um labirinto emaranhado, no qual só podemos entrar se, através dele, formos
guiados pelo fio da Palavra. Por isso, é preferível andar mancando, ao longo
deste caminho a correr velozmente fora dele! (As Institutas da Religião
Cristã; Livro I, Capítulo VI).
Calvino foi profético - não no sentido evangélico de "palavra
profética" - , identificando com muita propriedade o problema de estarmos
sempre assediados pelo erro. E não só isso. Há também o risco de escolheremos
correr por algum atalho, achando que seguir os padrões da Escritura seja algo
cansativo, trabalhoso, e pouco produtivo (se avaliarmos pelas regras do
mercado). Consegue, o leitor, compreender a necessidade de examinarmos tudo a
Luz da Escritura? Se a resposta é positiva, está muito perto de compreender o
valor de 31 de Outubro. Quero crer que muitos já o compreenderam plenamente.
O Dia das Bruxas está chegando. Tenho a impressão de que a cada ano o
povo brasileiro assimila mais e melhor o conceito importado dos gringos. Só uma
coisa me incomoda mais: perceber que o 31 de Outubro, "Dia das
Bruxas", já é mais brasileiro que o 31 de Outubro, "Dia da Reforma".
E até "Dia das Bruxas Evangélico" já deu as caras por aqui. Será que
Lutero, Calvino, e outros irmãos que tanto lutaram pela causa do Cristo, também
encontrarão abrigo entre nós?
Marcelo Lemos (contribuinte do site www.genizahvirtual.com)
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